segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Jornalismo ou Literatura

Depois de terminada a matéria sobre o NewJournalism, deixo aqui um post que considero interessante sobre as relações entre Jornalismo e Literatura.
Jornalismo ou Literatura? Mas que pergunta! A história está cheia de grandes romancistas que ganharam o pão como repórteres. Mark Twain, Chesterton, García Márquez, Hemingway, Vargas Llosa, Ilia Erenburg, são nomes que nos vêem à memória sem esforço, só para citar alguns exemplos memoráveis. Balzac, Salgari ou Galdós publicaram grande parte das suas obras como folhetins nos jornais, e inclusive houve filósofos que usaram o mesmo sistema com alguns dos seus mais importantes ensaios, como por exemplo, Ortega e Gasset e a sua “Rebelião das Massas”. Ou seja, que jornalismo e literatura têm andando juntos durante muito tempo e que não são poucos os que imaginam que o jornalismo em si é um género literário, talvez um subgénero, enfim, no universo das letras.
Jornalismo ou literatura, ficção ou informação. O dilema não está apenas nisso. A ficção é informação muitas vezes. Aliás, unicamente através da ficção é possível em certas ocasiões contar alguns acontecimentos da nossa realidade. As notícias, as reportagens, não só devem ser verdadeiras, talvez possam não o ser, mas têm de resultar credíveis. Os romances não têm porquê, ainda que respondam a uns factos certos e comprovados.
A questão não está em saber se uma boa reportagem se pode arruinar com a realidade, mas na atitude de quem a escreve e de quem a lê, quer se trate de um texto informativo, quer pretenda ser uma obra literária. Algumas grandes reportagens, a famosa “História de um náufrago” de García Márquez, por exemplo, são também extraordinárias narrações, autênticas obras-primas da literatura universal. Por outro lado, existem livros, que não poderiam ter sido escritos, provavelmente, sem a capacidade de observação e o amor pelo detalhe que qualquer repórter deve possuir.
Sem dificuldade se percebe que jornalismo e literatura vivem numa espécie de fusão amorosa não explicada na qual são, no fim de contas, indiferenciáveis os seus perfis individuais. No entanto, na minha opinião, jornalismo e literatura são duas carreiras muito diferentes, ainda que se possam exercer as duas ao mesmo tempo. Naturalmente, têm não pouco que ver entre si, sobretudo se considerarmos o tratamento da escrita, mas há algo que a meu ver as distancia, algo muito mais importante do que o rigor dos dados que utilizem ou o respeito pela verosimilhança do que contam. Estou a referir-me ao sentido do tempo em cada caso. O jornalismo descansa no efémero, é a sua razão de ser. A literatura sofre a atracção do tempo.
Este sentido do tempo, no jornalismo, é uma coisa especial. A antecipação, o chegar antes, parece que forma parte da sua condição vital. É um mundo de pressas, no qual a reflexão se faz numa prática…quando se faz, e ainda é melhor fugir dela, pois já se sabe que os jornalistas são responsáveis por narrar os factos independentemente das consequências que isso tenha. Os jornais saem todos os dias, escrevem-se todos os dias, nascem e extinguem-se diariamente. O tempo arrasa-os com uma facilidade incrível. O tempo é mais forte do que os juízes, que a censura, que os leitores e que a verdade.
Nada que se faça tão apressadamente como um jornal pode perdurar, e não tem sentido encará-lo, por isso, com ânimo literário. Por isso, entre jornalismo e literatura, bem, os jornais podem conter textos literários, como complemento das exigências do leitor. Porém, um diário vende-se, sobretudo, pelas suas notícias; pelo interesse, a importância e o impacto que tenham as suas notícias. Porém, não se deve tirar a conclusão de que não é preciso escrever bem para ser jornalista. Sujeito, verbo e predicado são a regra de ouro desta profissão. Uma coisa demasiado clássica para ganhar um prémio Nobel, mas que não deve ser tão fácil de pôr em prática, a avaliar pelas agressões à sintaxe com as quais os jornais nos presenteiam todos os dias.

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